quarta-feira, 25 de abril de 2012

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Sexta feira eu voltava para casa, cansado e com sono, de repente ouvi gritos numa ruazinha próxima, senti um frio no estômago. Naquele momento nem pensei na violência das ruas de que ouvira falar no jornal daquela manhã. Parei o carro, havia chovido muito, mas o tempo agora parecia melhor, úmido, mas melhor. O céu negro e sem estrelas só tornava a noite mais escura.

Aquela era uma parte antiga da cidade com prédios velhos, alguns abandonados há muito tempo. Não era um local para se frequentar, principalmente àquela hora da noite, além disso, algo ali me incomodava muito. Não ouvia mais os gritos, mas não era isso.

A minha frente erguia-se um prédio, que como um velho carregava as marcas de uma longa existência. É engraçado ele deveria me ser mais familiar já que havia nascido ali, mas agora não passava do velho hospital da cidade. Abandonado, morto há muito tempo.

As portas do hospital estavam lacradas, mas eu podia ver uma janela aberta no terceiro andar então comecei a subir pela escada de incêndio. No alto desta alguns gatos me fitavam com seus grandes olhos iluminados, não dei muita importância a isso, mas fiquei feliz por não estar sozinho.

Enquanto subia a umidade e a ferrugem da velha escada sujava minhas roupas, coisa que só percebi mais tarde. Naquele momento tentava achar um motivo para estar ali fazendo aquilo, mas apenas continuava a fazer, como um ato mecânico.

Cheguei ao terceiro andar e entrei pela janela, meus amigos felinos fugiram com o barulho de minha entrada, estava sozinho novamente.

Dentro do prédio estava eu cercado por paredes úmidas e escuras. Havia muito lixo espalhado por todo chão. Andei por alguns corredores, que também se encontravam em estado deplorável.

A exploração continuava, subi algumas escadas e encontrei novas salas. Minha motivação agora era outra, me sentia como uma criança que descobre um tesouro. Porque prédios assim não aparecem quando se tem quatorze anos? Gostaria que meus amigos estivessem ali comigo, bem de certo modo pelo menos um deles estava, já que há uns sete anos atrás ele havia morrido nesse mesmo hospital.

Assim que passei por uma grande porta pintada de verde à inquietação me trouxe de volta à realidade. Cheguei a uma sala que parecia ter parado no tempo. Estava tão limpa e arrumada que quase se podia ouvir os médicos passando apressados por ali. A sala possuía varias portas laterais que deveriam ter funcionado como pequenos consultórios, na outra extremidade uma porta central aguçava minha curiosidade.

Comecei a caminhar, o silêncio era quebrado pelo barulho de meus sapatos molhados, contra o piso frio de mármore. Barulho esse que só não era mais irritante que as batidas do meu coração, que teimavam em ficar cada vez mais rápidas.

Fui andando até o final da sala onde fiquei frente a frente com a porta, esta por sinal me parecia bem maior agora. Respirei fundo e...
Hesitei, não podia ou não queria abrir a porta.
Parece que via meu avô me olhando fixo e dizendo:

“Cuidado com o que procura pequenino, pois pode encontrar...”.

Odiava quando ele me dizia aquilo. Vovô era um tanto cético e poderia estar só brincando.
Não. No fundo eu sabia que ele me questionava porque queria realmente analisar minhas reações. 
Seja qual for o motivo, no momento penso que vovô estava certo, de qualquer forma fui vencido pela curiosidade e abri a porta.

Agora depois de tanto tempo, quando me lembro do modo como reagi acabo me questionando. Talvez eu realmente seja frio ou como minha ex-mulher gostava de dizer, durante nossos 
adoráveis anos juntos:

 “Você é um insensível que não vê sentimento em nada, ama mais seu trabalho que a mim e as crianças”.

É pensando bem foi melhor ela ter ficado com a guarda das crianças. Talvez o modo como reagi no velho hospital demonstre minha verdadeira personalidade. Talvez... De qualquer modo...

A cena que se via no pequeno quarto a que a porta dava passagem podia ser descrita como um quadro de um artista louco. Uma linda mulher com a garganta cortada. Imagino que tenha morrido afogada com o próprio sangue antes que a falta do mesmo lhe tivesse tirado a vida, como se isso importasse aquele momento.

Não me recordo muito bem de minhas ações após ter visto o que descrevi a cima. Mas o desfecho dessa historia é o mais inquietante possível.

Naquela noite quando entrei no velho hospital, parece que sabia que não estava sozinho, o mal me acompanhava por todo o caminho. Cada sala, cada degrau, e qual não foi minha surpresa ao olhar para um grande espelho lateral na pequena sala? Quando o fiz vi o outro personagem desta historia. Vi o rosto do assassino...

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem era o assassino? Quem?
Que história impressionante. Gostei muito do enredo e da condução da mesma. Senti-me como num livro que te prende a atenção do começo ao final. Parabéns pelo texto. Continue a escrever dessa forma hipnotizante.