Sexta feira eu voltava para casa, cansado e com
sono, de repente ouvi gritos numa ruazinha próxima, senti um frio no estômago.
Naquele momento nem pensei na violência das ruas de que ouvira falar no jornal
daquela manhã. Parei o carro, havia chovido muito, mas o tempo agora parecia
melhor, úmido, mas melhor. O céu negro e sem estrelas só tornava a noite mais
escura.
Aquela era uma parte antiga da cidade com prédios
velhos, alguns abandonados há muito tempo. Não era um local para se frequentar,
principalmente àquela hora da noite, além disso, algo ali me incomodava muito. Não
ouvia mais os gritos, mas não era isso.
A minha frente erguia-se um prédio, que como um
velho carregava as marcas de uma longa existência. É engraçado ele deveria me
ser mais familiar já que havia nascido ali, mas agora não passava do velho
hospital da cidade. Abandonado, morto há muito tempo.
As portas do hospital estavam lacradas, mas eu
podia ver uma janela aberta no terceiro andar então comecei a subir pela escada
de incêndio. No alto desta alguns gatos me fitavam com seus grandes olhos
iluminados, não dei muita importância a isso, mas fiquei feliz por não estar
sozinho.
Enquanto subia a umidade e a ferrugem da velha
escada sujava minhas roupas, coisa que só percebi mais tarde. Naquele momento
tentava achar um motivo para estar ali fazendo aquilo, mas apenas continuava a
fazer, como um ato mecânico.
Cheguei ao terceiro andar e entrei pela janela,
meus amigos felinos fugiram com o barulho de minha entrada, estava sozinho
novamente.
Dentro do prédio estava eu cercado por paredes
úmidas e escuras. Havia muito lixo espalhado por todo chão. Andei por alguns
corredores, que também se encontravam em estado deplorável.
A exploração continuava, subi algumas escadas e encontrei
novas salas. Minha motivação agora era outra, me sentia como uma criança que
descobre um tesouro. Porque prédios assim não aparecem quando se tem quatorze
anos? Gostaria que meus amigos estivessem ali comigo, bem de certo modo pelo
menos um deles estava, já que há uns sete anos atrás ele havia morrido nesse
mesmo hospital.
Assim que passei por uma grande porta pintada de
verde à inquietação me trouxe de volta à realidade. Cheguei a uma sala que
parecia ter parado no tempo. Estava tão limpa e arrumada que quase se podia
ouvir os médicos passando apressados por ali. A sala possuía varias portas
laterais que deveriam ter funcionado como pequenos consultórios, na outra
extremidade uma porta central aguçava minha curiosidade.
Comecei a caminhar, o silêncio era quebrado pelo
barulho de meus sapatos molhados, contra o piso frio de mármore. Barulho esse
que só não era mais irritante que as batidas do meu coração, que teimavam em
ficar cada vez mais rápidas.
Fui andando até o final da sala onde fiquei frente
a frente com a porta, esta por sinal me parecia bem maior agora. Respirei fundo
e...
Hesitei, não podia ou não queria abrir a porta.
Parece que via meu avô me olhando fixo e dizendo:
“Cuidado com o que procura pequenino, pois pode
encontrar...”.
Odiava quando ele me dizia aquilo. Vovô era um
tanto cético e poderia estar só brincando.
Não. No fundo eu sabia que ele me questionava
porque queria realmente analisar minhas reações.
Seja qual for o motivo, no
momento penso que vovô estava certo, de qualquer forma fui vencido pela
curiosidade e abri a porta.
Agora depois de tanto tempo, quando me lembro do
modo como reagi acabo me questionando. Talvez eu realmente seja frio ou como
minha ex-mulher gostava de dizer, durante nossos
adoráveis anos juntos:
“Você é um insensível
que não vê sentimento em nada, ama mais seu trabalho que a mim e as crianças”.
É pensando bem foi melhor ela ter ficado com a
guarda das crianças. Talvez o modo como reagi no velho hospital demonstre minha
verdadeira personalidade. Talvez... De qualquer modo...
A cena que se via no pequeno quarto a que a porta
dava passagem podia ser descrita como um quadro de um artista louco. Uma linda
mulher com a garganta cortada. Imagino que tenha morrido afogada com o próprio
sangue antes que a falta do mesmo lhe tivesse tirado a vida, como se isso
importasse aquele momento.
Não me recordo muito bem de minhas ações após ter
visto o que descrevi a cima. Mas o desfecho dessa historia é o mais inquietante
possível.
Naquela noite quando entrei no velho hospital,
parece que sabia que não estava sozinho, o mal me acompanhava por todo o
caminho. Cada sala, cada degrau, e qual não foi minha surpresa ao olhar para um
grande espelho lateral na pequena sala? Quando o fiz vi o outro personagem
desta historia. Vi o rosto do assassino...
Um comentário:
Quem era o assassino? Quem?
Que história impressionante. Gostei muito do enredo e da condução da mesma. Senti-me como num livro que te prende a atenção do começo ao final. Parabéns pelo texto. Continue a escrever dessa forma hipnotizante.
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